Era custoso o alongar dos meus músculos e espreguiçar toda anatomia de um dia anterior exaustivo. Confesso, o meu olhar já se encontra mais reservado, quieto frente a sua alma que resplandece acolá. Mas recordo com alegria como era gostoso e inspirativo tê-la como abrigo na casa de sua palavra. Sua crença de que o Amor verdadeiro também é Poesia que revigora nossa Vida. Que eu era seu asteio e construia castelos nas areias e desenhavámos mares capazes de nos abrigarmos e velejarmos nesse mistério onde meu abrigo passou a ser alívio de suas angústias. Onde o nosso Céu poderia ser pincelado de qualquer cor. Enquanto que a mente, a inspiração é barco capaz de transportar nossos sonhos e materalizá-los em qualquer lugar. Por isso estou acoado, do lado de cá, numa reflexão de não saber o que dizer a menina dos olhos claros. O que dizê-la? Uma predileção urgente a mim e a nós mesmos? Um esconder-se em si, como face oculta que revela seu arcabouço do que confabulamos? Ou por que o Amor que ela nutri fora escondido tanto quanto minha ausência que se oculta e somos agora também?
Caminhando entre um corredor e o outro da casa. Em passos lentos vou ao banheiro, visualizo meu rosto no espelho, uma face de um rapaz de quase 27 anos. Vejo ainda refletir telas pintadas por pincéis que marcaram profundamente a pele, os músculos; as linhas na minh´alma. Tantas marcas, infinitos registros de amores e Amores. Toco meu semblante, sob a barba ainda por fazer e sem me dar por conta, retomo os pensamentos de que poderia ser a suas mãos menina, a afagá-las. Para permitir navegar as suas procuras. Pensei bem de relance. Mas eu pensei.
Nesse lambuzar de gostos e palavras que você tramitava em suas Poesias, mas que eu não degustei, não comunguei do seu desejo. Pus-me lavar o rosto, que fora também confidenciado pelas entrelinhas que deixei desalinhadas por aí, onde o meu sofrer sem dizer coisa alguma, configurou sua Salvação, a sua leveza e a minha Cura.
Após isso, fui até a cozinha, minha mãe preparava o café e sorridente dizia que meu irmão mais novo estava a chegar de Portugal para passar o natal conosco. Ouvi contente também, enquanto tomava o café com leite e comia um pão com manteiga quentinho. Acompanhando a fumaça que evaporava da xicará, ao mesmo tempo meus olhos fitavam as folhas do quintal, balançavam docemente e inauguravam os primeiros dias de verão. Permaneci assim por alguns minutos, enquanto as recordações daquela moça, retomava as minhas lembranças, a mulher dos lábios macios, vermelhos a cor de amora. Contudo, a ausência que estamos ocupa o mesmo espaço, que eu escolhi, mas em territórios diferentes.
Acabei meu café. Dei um beijo na minha mãe e fui a mais um dia de trabalho. Sai por entre as ruas do meu bairro e com o gosto da refeição matinal na boca. Olhei para as árvores e vi igual completude dessas coisas tão simples. O mesmo que ela fora feita.
Esse processo das horas, espaço, das coisas em seu momento devido. O nascer desse Sol, enquanto àquela que fora moldada a seda, exala em seus escritos o cheiro de outono e primavera. E se enfeita de suas inteirezas, de sua falta de ar que é insuflada pela paz e o Amor que profere, mesmo partida. E sábia como ela, pôde em pouco tempo conhecer, degustar os meus sabores, das minhas palavras, do meu ofício. Enquanto que eu quis saborear das minhas ausências, não pude saber qual gosto trilha os continentes dela. A dimensão desse arranhacéu estrondoso e poético.
Uma mulher bela, de pele alva, de cintura fina, franzina, conseguiu tão bem se libertar de suas dores passadas, aliviá-las, olhá-las para trás sem tanto peso. Pequenina e assustada com tanto sentimento dentro de si, versou-me como seu Amor. O menino-homem da casa de suas palavras.
PS.: Imagens do Google.
(Fernanda F. Fraga)